Foi uma vez em Maputo.
Ele foi lá a trabalho. A actividade de consultadoria que exerce leva-o a lugares distantes daqui, e desta vez coube-lhe a tarefa de ir a Maputo. É bom no que faz, a empresa para a qual trabalha confia nele, ganha bom dinheiro. Não tem preocupações de maior a não ser o de querer ser feliz e fazer os outros com quem se cruza na vida, felizes também. É cidadão português, branco. Ele é, portanto, um homem da nossa terra e como tal herdeiro da nossa História, no que ela tem de bom e de mau, como todos nós. É natural. É relativamente jovem, filho da geração que fez, em tempos, a revolução de que todos nos orgulhamos por amor à nossa pátria - aquela que ficou colorida até hoje de vermelho. Aquela que poucos entendem para que serviu, ou deveria servir, e pior ainda, só alguns parecem certos das consequências que teve - ou seria suposto ter? - a Democracia.
Democracia é uma palavra interessante, tentadora, feliz talvez. Não sei o que significa ao certo, contudo ensinaram-me que tinha que ver com Liberdade, mais que não fosse a de expressão. Acho que todos nós portugueses sabemos isto. Acho até que defendemos todos que na bandeira da nossa revolução, também há-de estar inscrito qualquer dizer sobre a liberdade de expressão. Talvez seja mesmo o único dizer que ainda permanece nas nossas mentalidades como tendo que ver com a tão famosa revolução vermelha, e que nos levará ainda a defender que "valeu a pena". Eu acho que é pena, mas paciência! Já estou como diz o outro - É a vida!
Ele esteve em Maputo e numa noite mais quente, decidiu sair para conhecer e disfrutar dos prazeres que, apesar da miséria que pôde testemunhar desde que lá chegou, existem em Moçambique. Sobretudo, aqueles que estão disponíveis aos brancos que por lá andam ou passam e que, como ele próprio diz, são todos ricos, ainda "senhores", portanto. O salário médio mensal em Moçambique é de cerca de 30 Euros. Precisamente aquilo que, no mínimo, o meu amigo ganha numa hora. Ele e muitos de nós. Por isso, ele diz que os brancos de lá mais os que lá vão, são todos ricos. Como a riqueza é uma tentação ainda maior do que a Liberdade, o meu amigo não pôde deixar de se sentir rico também. É natural!
Era segunda feira, dia de folga para a maioria dos estabelecimentos comerciais dedicados ao divertimento e ao alívio dos stresses mais variados, pelo que não lhe foi fácil encontrar um porto de abrigo para a almejada noite de descanso e prazer. Navegando por entre ruas e ruelas, becos com e sem saída, finalmente eis que surge uma porta entreaberta que o recebeu com "boas vindas". Ele imaginou que aquela discoteca estava aberta para si - que até então se considerava homem de bem - mas, após o piscar de olhos que lhe permitiu recolocar o sentido da visão, momentaneamente desfocado pelas intermitentes luzinhas brilhantes, e pelos sons dos gira-discos, o desapontamento assolou-o. Eram muitos os que, como ele, tinham procurado abrigo naquele lugar. Homens e mulheres - muitas, rapariguinhas apenas - bebiam, dançavam, conversavam e riam por entre o fumo do tabaco, o suor dos corpos (queimados até à exaustão pelo sol dos dias que antecederam aquele até ao infinito), o cheiro de todos - dos que o exalavam como perfume natural, dos que o exalavam por estarem uns com os outros. O espanto sucedeu ao desapontamento. Não esperava ver tantas rapariguinhas ali áquela hora da noite. Eram esfomeadas, pobres e tristes, que no sexo procuravam o sustento de um mês, dois ou três, para si e para as famílias.
"Fiquei chocado! Não imaginei que tantas rapariguinhas, algumas com 13, 14 anos não mais, estivessem ali. É certo que só dançavam, mas eu percebi que aquela casa era mais uma das que, disfarçada de discoteca, na verdade se dedicava à prostituição. Miúdas tão novas não me interessavam. Aquilo tudo e aqueles homens meteram-me nojo. Por isso, fui andando até ao bar para beber uma água tónica. De caminho, cruzei-me com uma mulher. Era negra, e tinha 28, 29 anos. Achei-a atraente e coloquei-me ao seu lado para lhe oferecer uma bebida. Ela aceitou e começámos a conversar."
Que generoso e sensível é este meu amigo! Não se quis envolver com rapariguinhas, por serem menores, e por ter percebido que de facto protagonizavam a miséria daquele povo, daquela gente.
"A certa altura da conversa senti vontade de fazer amor com ela. Era muito atraente e, para mim, muito interessante.Perguntei-lhe se queria ir fazer amor comigo para o meu hotel. Eu calculava que ela fosse puta, ainda que para mim, naquele momento, fosse uma mulher que me atraía e que me fez sentir vontade de fazer amor com ela."
É claro que era puta, querido amigo. Tão claro como clara era também o motivo da tua saída naquela noite: vontade de te divertires, de ralaxares, de foder se se desse o caso. As discotecas servem para isso mesmo, a noite é a hora certa para acontecer, as putas também. É a vida!
"Ela disse que sim, que ia por 30 euros. Eu não disse nada por um instante ..."
Nem havia mais nada a dizer. Ela era uma puta que tem o seu preço, tu eras um homem disposto a ter uma noite de prazer. Não havia de facto mais nada a dizer.
"Ela deve ter achado que eu estava a achar caro, e disse-me que ía na mesma, por 15 euros, e que podia fodê-la quantas vezes quisesse, e fazer com ela o que quisesse. Fomos. Quando cheguei ao hotel fiz amor com ela. Não fodi, fiz amor com ela. Gostei dela, foi bom, correu tudo bem. No fim, ela perguntou se eu queria que ela se fosse embora, ou se eu queria que passasse a noite comigo. Disse-lhe que podia ficar, pois na verdade também a mim me apetecia que ela ficasse. Dormimos agarradinhos um ao outro e de manhã voltei a fazer amor com ela. Depois de nos lavarmos e de tomar o pequeno almoço, eu dei-lhe 60 euros e ela, antes de sair, disse que se eu quisesse voltaria no dia seguinte para repetir tudo sem me cobrar. Nem imaginas o prazer que tive em lhe pagar os 60 euros. Deve-se ter sentido bem tratada não achas? Com certeza não estava habituada a que a tratassem assim. Não achas esta história bonita?"
De início pensei em não responder. Não acho bonita nem feia. É uma história real. Mas ...
"Já viste? eu tratei-a muito bem. Olha que eu dei-lhe 4 vezes mais dinheiro do que os 15 euros."
Mau maria. Não queria responder, mas assim vai ter que ser. "Olha que pelas minhas contas, não lhe pagaste mais do que devias. Se a fodeste duas vezes nessa noite, e se cada foda valia 3o euros, é só fazer as contas: 2 vezes 30 = 60." "Não, não. Não estás a perceber. Eu podia ter feito um grande negócio e ter tudo aquilo por 15 euros, e eu dei-lhe 60, portanto 4 vezes mais. Além disso, ouvi-a, ela desabafou comigo, eu tratei-a bem". "Muito bem, não duvido da tua boa vontade nem dos teus bons sentimentos. Contudo, já que falas de dinheiro, acho até que lhe podias ter dado mais algum. Já viste que durante a noite toda que dormiu contigo, ela podia ter facturado muito mais. Por outro lado, tu mesmo me disseste que lá ganham num mês o que tu ganhas numa hora, portanto podias ter-lhe dado muito mais. Afinal tens bastante mais do que ela." "Não me digas que devia ter-lhe dado mais. Nem sequer estás a levar em conta que eu podia não ter mais na carteira. Além disso, eu é que era o cliente, e podia ter-lhe dado apenas os 15 euros. Dei-lhe dois meses de ordenado."
Eu sabia que a conversa devia ter parado aqui, mas não me foi possível uma vez mais não ripostar. "Querido amigo, se tu eras o cliente, ela era a patroa e o preço dela eram 30 euros por foda. Além disso, tu conhecias o chulo: a miséria. Por isso, e só por isso, ela teve de recuar face ao seu próprio lucro, porque o viu a ele pelo canto do olho. Entendido? Para terminarmos com esta conversa de surdos, apenas uma coisa mais: da próxima vez que te encontrares com chulos assim, não te percas em palavras macias nem te transformes em ouvidos atentos para te sentires bem. Dá dinheiro a quem estiver ao teu lado na cama para ficares descansado, pois se for assim, no dia seguinte talvez eles tenham o que comer".
Costuma dizer-se que em terra de cego quem tem olho é rei. Lá em Maputo, nas palavras deste meu amigo, os brancos são todos ricos. Que pena tenho eu que continuem todos tão cegos, apesar de às vezes terem a possibilidade de estar em terras onde é tão fácil ver sem óculos.
Democracia é uma palavra interessante, tentadora, feliz talvez. Não sei o que significa ao certo, contudo ensinaram-me que tinha que ver com Liberdade, mais que não fosse a de expressão. Acho que todos nós portugueses sabemos isto. Acho até que defendemos todos que na bandeira da nossa revolução, também há-de estar inscrito qualquer dizer sobre a liberdade de expressão. Talvez seja mesmo o único dizer que ainda permanece nas nossas mentalidades como tendo que ver com a tão famosa revolução vermelha, e que nos levará ainda a defender que "valeu a pena". Eu acho que é pena, mas paciência! Já estou como diz o outro - É a vida!
Ele esteve em Maputo e numa noite mais quente, decidiu sair para conhecer e disfrutar dos prazeres que, apesar da miséria que pôde testemunhar desde que lá chegou, existem em Moçambique. Sobretudo, aqueles que estão disponíveis aos brancos que por lá andam ou passam e que, como ele próprio diz, são todos ricos, ainda "senhores", portanto. O salário médio mensal em Moçambique é de cerca de 30 Euros. Precisamente aquilo que, no mínimo, o meu amigo ganha numa hora. Ele e muitos de nós. Por isso, ele diz que os brancos de lá mais os que lá vão, são todos ricos. Como a riqueza é uma tentação ainda maior do que a Liberdade, o meu amigo não pôde deixar de se sentir rico também. É natural!
Era segunda feira, dia de folga para a maioria dos estabelecimentos comerciais dedicados ao divertimento e ao alívio dos stresses mais variados, pelo que não lhe foi fácil encontrar um porto de abrigo para a almejada noite de descanso e prazer. Navegando por entre ruas e ruelas, becos com e sem saída, finalmente eis que surge uma porta entreaberta que o recebeu com "boas vindas". Ele imaginou que aquela discoteca estava aberta para si - que até então se considerava homem de bem - mas, após o piscar de olhos que lhe permitiu recolocar o sentido da visão, momentaneamente desfocado pelas intermitentes luzinhas brilhantes, e pelos sons dos gira-discos, o desapontamento assolou-o. Eram muitos os que, como ele, tinham procurado abrigo naquele lugar. Homens e mulheres - muitas, rapariguinhas apenas - bebiam, dançavam, conversavam e riam por entre o fumo do tabaco, o suor dos corpos (queimados até à exaustão pelo sol dos dias que antecederam aquele até ao infinito), o cheiro de todos - dos que o exalavam como perfume natural, dos que o exalavam por estarem uns com os outros. O espanto sucedeu ao desapontamento. Não esperava ver tantas rapariguinhas ali áquela hora da noite. Eram esfomeadas, pobres e tristes, que no sexo procuravam o sustento de um mês, dois ou três, para si e para as famílias.
"Fiquei chocado! Não imaginei que tantas rapariguinhas, algumas com 13, 14 anos não mais, estivessem ali. É certo que só dançavam, mas eu percebi que aquela casa era mais uma das que, disfarçada de discoteca, na verdade se dedicava à prostituição. Miúdas tão novas não me interessavam. Aquilo tudo e aqueles homens meteram-me nojo. Por isso, fui andando até ao bar para beber uma água tónica. De caminho, cruzei-me com uma mulher. Era negra, e tinha 28, 29 anos. Achei-a atraente e coloquei-me ao seu lado para lhe oferecer uma bebida. Ela aceitou e começámos a conversar."
Que generoso e sensível é este meu amigo! Não se quis envolver com rapariguinhas, por serem menores, e por ter percebido que de facto protagonizavam a miséria daquele povo, daquela gente.
"A certa altura da conversa senti vontade de fazer amor com ela. Era muito atraente e, para mim, muito interessante.Perguntei-lhe se queria ir fazer amor comigo para o meu hotel. Eu calculava que ela fosse puta, ainda que para mim, naquele momento, fosse uma mulher que me atraía e que me fez sentir vontade de fazer amor com ela."
É claro que era puta, querido amigo. Tão claro como clara era também o motivo da tua saída naquela noite: vontade de te divertires, de ralaxares, de foder se se desse o caso. As discotecas servem para isso mesmo, a noite é a hora certa para acontecer, as putas também. É a vida!
"Ela disse que sim, que ia por 30 euros. Eu não disse nada por um instante ..."
Nem havia mais nada a dizer. Ela era uma puta que tem o seu preço, tu eras um homem disposto a ter uma noite de prazer. Não havia de facto mais nada a dizer.
"Ela deve ter achado que eu estava a achar caro, e disse-me que ía na mesma, por 15 euros, e que podia fodê-la quantas vezes quisesse, e fazer com ela o que quisesse. Fomos. Quando cheguei ao hotel fiz amor com ela. Não fodi, fiz amor com ela. Gostei dela, foi bom, correu tudo bem. No fim, ela perguntou se eu queria que ela se fosse embora, ou se eu queria que passasse a noite comigo. Disse-lhe que podia ficar, pois na verdade também a mim me apetecia que ela ficasse. Dormimos agarradinhos um ao outro e de manhã voltei a fazer amor com ela. Depois de nos lavarmos e de tomar o pequeno almoço, eu dei-lhe 60 euros e ela, antes de sair, disse que se eu quisesse voltaria no dia seguinte para repetir tudo sem me cobrar. Nem imaginas o prazer que tive em lhe pagar os 60 euros. Deve-se ter sentido bem tratada não achas? Com certeza não estava habituada a que a tratassem assim. Não achas esta história bonita?"
De início pensei em não responder. Não acho bonita nem feia. É uma história real. Mas ...
"Já viste? eu tratei-a muito bem. Olha que eu dei-lhe 4 vezes mais dinheiro do que os 15 euros."
Mau maria. Não queria responder, mas assim vai ter que ser. "Olha que pelas minhas contas, não lhe pagaste mais do que devias. Se a fodeste duas vezes nessa noite, e se cada foda valia 3o euros, é só fazer as contas: 2 vezes 30 = 60." "Não, não. Não estás a perceber. Eu podia ter feito um grande negócio e ter tudo aquilo por 15 euros, e eu dei-lhe 60, portanto 4 vezes mais. Além disso, ouvi-a, ela desabafou comigo, eu tratei-a bem". "Muito bem, não duvido da tua boa vontade nem dos teus bons sentimentos. Contudo, já que falas de dinheiro, acho até que lhe podias ter dado mais algum. Já viste que durante a noite toda que dormiu contigo, ela podia ter facturado muito mais. Por outro lado, tu mesmo me disseste que lá ganham num mês o que tu ganhas numa hora, portanto podias ter-lhe dado muito mais. Afinal tens bastante mais do que ela." "Não me digas que devia ter-lhe dado mais. Nem sequer estás a levar em conta que eu podia não ter mais na carteira. Além disso, eu é que era o cliente, e podia ter-lhe dado apenas os 15 euros. Dei-lhe dois meses de ordenado."
Eu sabia que a conversa devia ter parado aqui, mas não me foi possível uma vez mais não ripostar. "Querido amigo, se tu eras o cliente, ela era a patroa e o preço dela eram 30 euros por foda. Além disso, tu conhecias o chulo: a miséria. Por isso, e só por isso, ela teve de recuar face ao seu próprio lucro, porque o viu a ele pelo canto do olho. Entendido? Para terminarmos com esta conversa de surdos, apenas uma coisa mais: da próxima vez que te encontrares com chulos assim, não te percas em palavras macias nem te transformes em ouvidos atentos para te sentires bem. Dá dinheiro a quem estiver ao teu lado na cama para ficares descansado, pois se for assim, no dia seguinte talvez eles tenham o que comer".
Costuma dizer-se que em terra de cego quem tem olho é rei. Lá em Maputo, nas palavras deste meu amigo, os brancos são todos ricos. Que pena tenho eu que continuem todos tão cegos, apesar de às vezes terem a possibilidade de estar em terras onde é tão fácil ver sem óculos.
1 Comments:
Eu ia comentar... mas achei que não valia a pena.
Afinal, a minha palavra, não mudaria nada.
Há sempre quem pague...
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