Cem Truques, Nu Azul

Um Lugar com Vista para Além de Mim ...

A minha foto
Nome:
Localização: Lisboa, Portugal

Simplicidade colorida de azul com um guache de água de colónia, seria certamente algo apetecível pelo cheiro, nem que fosse... Um alfinete-de-ama embebido em leite, uma sobremesa nova... E a imaginação, um rosto desfigurado de real...

segunda-feira, junho 27, 2005

Idalina.

Sente-se, de repente, sem qualquer espessura interior. Como se, instantaneamente, o seu mundo interno tivesse encolhido com a chuva seca que teima em cair lá dentro.
Pergunta-se que raio foi o que levou para tão longe o Sol que raiava até há pouco tempo, e que fazia com que a humidade do suor da sua pele lhe lavasse a alma e a expandisse, qual vagina excitada.
Outrora, no leito corriam águas calmas, límpidas e transparentes, abundantes. Agora, lama seca sem vitalidade, agarra-se ao fundo tornando-o numa espécie de vitral sem cores, sem brilho, sem luz.
Que raio a atravessou?
Que angústia não nomeada é esta que a atrapalha?

O bife com molho especial espera-a no prato colocado diante dos copos vermelhos, logo à noite. A companhia que aguarda é espantosamente serenizante para si. Contudo, não recebe notícias dele. Talvez seja isso. Não teve ainda, notícias dele.

O homem do café piscou-lhe o olho. Talvez saiba do seu paradeiro. Nada lhe disse em concreto. O telefone não regista qualquer chamada. É a esperança que se esvai. "Já não estou interessada em saber", apetece-lhe dizer a si mesma. Era tudo mais fácil. Mas, sabe que não se aldraba com tanta facilidade assim.
Está, na verdade, frustrada.
Não gosta de dizer afirmativamente: NÃO. Ontem disse-o. Talvez seja isso. Sente-se culpada.

O jantar do bife do prato em frente aos copos vermelhos não está decidido, confirmado. Ela disse que ia. Ele, nada disse.
Está com medo. Mas, medo de quê?
Da trovoada que se avizinha, porventura. O boletim metereológico anunciou calor, mas enganou-se. Vai chover neste fim de semana.
A inquietude, o risco, a angústia exercem nela um poder quase fatal.

Pensa Idalina. Pensa. Salva-te Idalina, salva-te!

- Dá-me um cigarro dos seus?
- Com certeza. Com todo o gosto. Tem lume? Quer?
- Não. Não tenho. Já agora, gradeço.
(Um silêncio breve. O cigarro acende-se pela sua mão)
- Sabe é que, na verdade, eu supostamente nem sequer sou fumador.
(Fica sem palavras. Não responde)

O homem do café piscou-lhe o olho.
- Então já vai de fim de semana?
Sorri.
- Isso queria você saber não era? mas, eu não lhe digo.
- Olhe que fica a perder. Tenho muito para lhe dizer.
Riem.

O que será que quis dizer?
Na altura achou que era mais um truque manhoso dos dele.
Ultimamente não anda a perceber muita coisa. Oh Diabo!Será que anda assim tão distraída?
O pulga rói-lhe a orelha.

Pensa Idalina, pensa.

Como quem faz contas de cabeça, vamos lá a ver se a gente se entende.
Se alguém te pede um cigarro sem ser fumador, das duas três: ou é maluco, ou está a meter conversa contigo. Acha-te graça. Eu também lhe acho graça, confesso. Tem muita pose, o tipo. Serão os olhos meio papudos que lhe dão piada? As entradas que lhe alongam a testa? É alto. Tem um rosto familiar. Não sei quem é.

Conheces o tipo do café e sabes que ele te topa há séculos. Sabes que ele sabe porque tu lhe disseste que achas graça ao tipo que tu esperas que te peça um cigarro seja fumador ou não. Ficas a saber que o tipo não fumador te anda a tirar as medidas.

Nao te distraias, Idalina. Não te distraias.
Não inventes, Idalina.
Cria.

2 Comments:

Blogger Menina Marota said...

"...Outrora, no leito corriam águas calmas, límpidas e transparentes, abundantes...."

E agora, Idalina? Em que marés tu navegas, neste mundo tão obscuro?

Adorei ler-te...

Um abraço carinhoso ;)

15:20  
Blogger Ana Russo said...

Gosto da forma como escreve histórias... ou estórias. Gosto desta, muito.

Obrigada pelas palavras sempre tão encorajadoras àquilo que faço :)

Um bj grande. Penelope

19:27  

Enviar um comentário

<< Home