Cem Truques, Nu Azul

Um Lugar com Vista para Além de Mim ...

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Localização: Lisboa, Portugal

Simplicidade colorida de azul com um guache de água de colónia, seria certamente algo apetecível pelo cheiro, nem que fosse... Um alfinete-de-ama embebido em leite, uma sobremesa nova... E a imaginação, um rosto desfigurado de real...

domingo, julho 03, 2005

O Poder do Silêncio.

Parafraseando George Steiner, as palavras podem veicular a verdade e a mentira. Na verdade, muitas vezes parecem manifestamente insuficientes para expressar o que vivemos. Mesmo os pensamentos, para serem considerados mais evoluídos, devem assumir a forma das palavras, num discurso que seja claro, fluente, compreensível. Mas as palavras ganham sentido, não só pelo que pretendem significar (e para que signifiquem, precisam que alguém as signifique), como também pelos silêncios que ladeiam. A voz de cada um é tão identificador de quem somos, como o nome que inscrevemos no Bilhete de Identidade. Há vozes grossas, cheias, calorosas; vozes agudas, finas, de timbre metálico; vozes suaves, macias, calmas; vozes desarticuladas, descontínuas; vozes roucas, obstruídas ... e há vozes nulas, “surdas”, ocas, vazias. E as vozes do silêncio. Palavras verdadeiras e falsas. Vozes sonoras e silenciosas. Todas têm poder e valor na escala da linguagem, na escala da comunicação, ainda que prefiramos todos (ou na nossa maioria) as que se ouvem, independentemente da verdade que comportem, ou do que pretendem significar.

Alice falou mas não se disse. Nunca se disse ou foi dita. Portanto, Alice tem uma voz de silêncio. Uma voz “não-inscrita” por inteiro, nem mesmo dentro de si. Alice aproxima-se em alguns pontos do Portugal de José Gil. Movimentava-se num espaço (interno, mas também exterior) apertado, de pouca espessura e amplitude, preenchido de frustrações não transformadas que a deixaram num sufoco impotente, sem condições de se tornar num discurso audível. Como um país histórico, mas aparentemente sem história, o caso de Alice dá-nos conta de uma parte da nossa identidade nacional, naquilo em que é uma cidadã portuguesa, e naquilo em que, sendo nativa de Portugal, é-o no feminino. José Gil demonstra-nos o silêncio que caracteriza a voz portuguesa; Alice, o silêncio das vozes femininas, em Portugal.

No contexto socio-cultural em que nos movemos, o silêncio é a pedra basilar da estabilidade, da manutenção dos poderes instituídos, considerados por sua vez, indispensáveis ao bom curso da vida civilizada, e que visa o progresso. Manda o bom senso que não falemos à toa, que nos reservemos quanto aquilo que se passe em nossa casa, na nossa família, quanto ao que nos vai nas entranhas da alma, sobretudo se somos mulheres. Já a mãe de Alice o sabia. Passou-lhe bem essa mensagem. “Mãe, tenho fome de ti, come outra coisa qualquer; Mãe, tenho dores de barriga, desenrasca-te como quiseres; Mãe, não ouço bem, não ouvi o que disseste. Cala-te. Cala-te, Alice”. O que fazer para romper com o tricot de malha apertada, tecida ao longo dos dias, dos tempos? O recurso à fala desmenti-lo-ia, desacreditá-lo-ia, tornar-se-ia potencialmente destrutivo do desenho antes projectado na folha de papel quadriculada, que acompanhava a revista de lavores ... Opte-se então pela manutenção do silêncio, na esperança de que alguém o torne discurso – sempre a espera e a convicção de que a ruptura se opere por outro que não o que sofre. “Que o digas tu, que eu não me atrevo a tanto!” – disse-me Alice. Di-lo-ei, sem prece nem promessa. Di-lo-ei.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Por vezes o silêncio vale mais do que 1000 palavras. Outras vezes é de oiro. Outras vezes fere mais que um punhal. Obrigado pela consideração e retribuo nos meus blogues favoritos. "Até já".

22:57  
Blogger Ana Russo said...

Continue a sua bela escrita :) A minha "azul" encaixa-se", de facto, muitíssimo bem, em quem a aprecia !! É sua ! Merece-a !!! Mais que ninguém ! Bj.Penelope

03:39  
Blogger bertus said...

Depois de Eduardo Lourenço, José Gil vem cronicar o Portugal dos dias de hoje mas ainda amarrado a silêncios antigos. Com conhecimento de causa , Gil, "avisa-nos" que calar o que nos vai na alma em termos individuais é um passo decisivo para a não participação colectiva de um país adiado.

Alice está efectivamente no universo de Gil; do dizível/indizível. Do dizer para dentro de si, no interior de uma família, de uma casa, de um país.

Gosto muito do teu blog azul, Azul.

14:25  
Blogger ruiluís said...

em cada palavra um grito que rasga o silencio das almas magoadas...nunca te cales e grita sempre que for necessário...magnifico ensaio sobre o poder do silencio ! minha admiração, bela alma azul...!

17:02  
Blogger riacho said...

Acredito que o carinho e compreensão para com as muitas Alices que existem, possa transformar esse silêncio lacerante num silêncio-bálsamo.


Agradeço com muita sinceridade as tuas palavas; sabe bem ouvir isso de tempos a tempos.
E terei todo o prazer em produzir um biombo por encomenda :-) desde que sirva de reflexo e não de divisão.

Até breve, um beijo,

05:17  
Blogger Fátima Santos said...

Um blog com textos muito interessantes.Esta análise do feminino usando a "não inscrição" do Gil parece-me original e muito apropriada ainda à condição feminina. A segunda parte do texto é literáriamente muito a meu gosto Obrigada Azul.

09:49  

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