Estilo.
"- Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de hstórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio(a) ... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às 4 da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro ... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida ... compreende? ... a nossa vida, a vida inteira, está ali como ... como um acontecimento excessivo ... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a 2 ou 3 tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos do Amor ou da Morte. Percebe? Umas dessas abstracções que servem para tudo. (...)
Uma vez fui a um médico.
-Doutor, estou louco - disse. - Devo estar louco.
-Tem loucos na família? - perguntou o médico. - Alcoólicos, sifilíticos?
-Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
- Não preciso de remédios - disse eu. - Sei histórias tenebrosas acerca da vida. De que me servem barbitúricos?
A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. (...)"
(Herberto Helder, in "Os passos em volta", editora Assírio e Alvim)
Uma vez fui a um médico.
-Doutor, estou louco - disse. - Devo estar louco.
-Tem loucos na família? - perguntou o médico. - Alcoólicos, sifilíticos?
-Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
- Não preciso de remédios - disse eu. - Sei histórias tenebrosas acerca da vida. De que me servem barbitúricos?
A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. (...)"
(Herberto Helder, in "Os passos em volta", editora Assírio e Alvim)