Ora viva caros amigos da blogosfera! Após um período de ausência de cerca de um ano, em que estive a laborar por dentro um processo de luto de mim mesma, venho por este meio convidar-vos a voltar a entrar em minha casa, para tomar chá, conversar, partilhar ideias, opiniões, rir...
Prometo ser assídua na produção de textos originais, desta vez, fazendo uma tentativa de experimentar mais a sério o texto de humor e o erótico. A suposta "peosia", talvez salpique uma ou outra vez o painel, mas quem me conhece sabe, que ela só acontece em mim, ou por amor ou por desespero profundo. A ver vamos o que nos e vos aguarda.
Sejam bem vindos ao Cem Truques, Nu Azul.
"Vamos a Votos!"
A partir das 3 da madrugada já ninguém consegue dormir direito, pois amanhã é dia de votos. Sabem como é. As noites que antecedem os dias especiais das nossas vidas costumam ser um autêntico desastre para muitos de nós, facto que se agrava consideravelmente se atendermos a que, amanhã, a Senhora Dona Ercilía Vale-Tudo-Quanto-Pesa vai cumprir com o seu dever de pôr o papelinho na urna de ferro preta. Ela adora ir botar a cruz nos impressos de papel grosso de que são feitos os boletins. Minha nossa senhora!, o que ela treme só de pensar que amanhã vai voltar a pegar na esferográfica da Bic, daquelas de escrita fina, e com muito jeitinho tentar desenhar a cruz (benza-a deus!) no quadradinho em branco...
Sentir o arranhar da Bic no papel dá-lhe uma espécie de calafrios pela espinha acima, que ela na verdade nem sequer sabe muito bem explicar. O certo é, que é das experiências, que na sua idade e com o que já viveu, não consegue assemelhar a nada que, da mesma maneira, lhe retire o soninho precioso.
Por falar em soninho, então não querem lá ver que o rapazote pra’i com um metro e um escadote de altura, não consegue aguentar acordado para além das 4 da madrugada. É verdade, é como vos digo. Vi-o eu com estes dois que a terra há-de comer, se deus nosso senhor quiser (e se não quiser, come na mesma que isto não é o da Joana, era o que faltava!), adormecer no sofá da sala, mesmo com a televisão em altos berros a contar histórias da carochinha. Lindas histórias por sinal, ah sim senhora. Fui até eu quem ajudou a contar algumas, por isso sei que valiam a pena. Mas, coitado, o tipo tava cansado e além do mais, tem a mania que não gosta de arroz de feijão frade e de maneira que, mal se viu aconchegado, toca a ressonar que se faz tarde!
Bem, mas voltemos á Dona Ercília, coitadinha, que essa sim é digna dos nossos cuidados. Pois ela roda e rebola, que o termo é mesmo esse (é o maldito do organismo que não metaboliza as proteínas, e faz com que a dita senhora, esteja sempre a insuflar), e vê-se grega para xonar. O que lhe vale é que é só hoje por amanhã ser dia de votos, e por a malvada da senhora ter um fetiche qualquer com as canetas da Bic, que é obra. É aquele arranhar, aquele toque suave no plástico duro e levemente estriado, é o escorrer da tinta azul (que agora, a bem dizer o azul já nem se usa. Agora é o preto pra tudo, é nas finanças, no notário, nos correios e nas avenidas novas...), e sobretudo, a dificuldade de decidir onde por a dita da cruz. Essa sim é a cruz da nossa vida, e o maior desafio que se coloca à Dona Ercília.
É só aqui que ela esbarra, porque de resto, a vida vai-lhe bem. Tem no seu Cardoso, o homem que dorme com ela, um grande amigo, e mais do que isso, um enorme amparo para não cair da cama abaixo. Se não fosse ele estar ali encostadinho, áquele cantinho que resta de cama (já de si grande, de dois metros para mais) nestas noites de insónia, vinha a vizinha do terceiro andar saber o que se passou, de certezinha absoluta, tal era o estrondo que a queda de sua Senhoria, a Dama da Marmiterie da Quinta dos Rouxinóis daria no seu soalho de madeira ainda novo, portanto, não abafador de todos os ruídos.
- Valha-te deus, mulher do diabo! Deixa-te estar quietinha que me dás cabo das costas!
- Deixa-te de lamúrias que eu nem te toquei.
- Ah pois não! Tou aqui que nem posso, a ver se me aguento sem cair da cama abaixo, com uma mama tua enfiada na costela número 3 do lado esquerdo, logo logo a seguir à clavícula que daqui a nada, tá fora do sítio, desnocada. Tou pra ver depois, quem é que me leva ao hospital, tou tou...
- Ai credo, homem! Não podes ser um cadinho menos bruto comigo, não? Se fosse alguma brasileira, até de dava jeito a mama, mas como sou eu, a tua Escília, a coisa já é aos coices não é? Eu pra qui, coitada, sem conseguir descansar, e amanhã com decisões tão importantes para tomar... Valha-me deus a mim, pobre mulher ...
- Olha sabes o que te digo? Vou mas é dormir pá sala, porque amanhã quero ir à pesca e não me posso levantar tarde, quando não, o peixe dá de frosques e depois tenho que o ir comprar à praça ao preço do oiro que tu bem sabes.
-Oh Cardoso, não vás embora! Oh homem, tu não me percebes homem. Ajuda-me antes a por a mama para cá e diz-me onde é que achas que eu devo botar a cruz anda lá.
- Ah, eu logo vi que tu querias era festa. Eu até já tava a estranhar! Tu tens andado tão calminha, a dormir tão bem, até tens ressonado que eu bem ouço (nessas noites, quem na dorme nadinha sou eu!). Queres atão que eu te mande a mama pra’i? Pera ai, que eu já lá vou. Agora tenho de ir ali à casa de banho, que tenho o material a pedir pa despejar. Já sabes como isto é. O médico já me disse para não esperar. Para quando tiver vontade ir logo, senão ainda é pior.
- Vá lá, atão! Vai lá, que hei-de eu fazer! Deixa tar que eu arrecado a mama...! (Oh senhores, mas onde é que eu hei-de botar o raio da cruz?!!)
(continua)
Até breve. Azul.
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