Cem Truques, Nu Azul

Um Lugar com Vista para Além de Mim ...

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Localização: Lisboa, Portugal

Simplicidade colorida de azul com um guache de água de colónia, seria certamente algo apetecível pelo cheiro, nem que fosse... Um alfinete-de-ama embebido em leite, uma sobremesa nova... E a imaginação, um rosto desfigurado de real...

segunda-feira, novembro 28, 2005

Elogios.

Falo-vos daqui em directo para elogiar publicamente mais alguém que vou tendo o prazer de conhecer a cada toque de dedos num piano. Um piano daqueles grandes como o que estava noutro dia num palco de um teatro algures numa cidade do Ribatejo e do qual falei no texto "O Recital". Um piano daqueles que têm uma aba gigante e que fazia parecer o "puto" um duende perto dele. Ontem voltei a ouvi-lo numa vila histórica que se colora diariamente de castanho chocolate. Pelo menos no meu imaginário. Tem muitas pedras bem conservadas nas paredes. Daquelas vilas que dá gosto visitar por nos transportar no tempo. Ontem tinha uns olhos límpidos esverdeados. Pude vê-los bem perto. Falei-lhes do que me disseram os seus sons tremendos ricos fortes certos. Aldrabou no Bach. Que indecência. Rimos por isso. Desculpa. Vi a outra face da lua genial que albergas dentro do teu cabelo de cupido. A insegurança. A incerteza. A dúvida. O desejo de agradar a todos. De não decepcionar. Ser pianista o que é. Tocar Bach sem parar. Tocar como o tocaste. Tocaste-me pela tua simpatia humana. Pelas notas falhadas. Pelos dedos nervosos. Cuidado com a procura da perfeição. Ela não passa de uma ilusão de óptica que às vezes nos ofusca e nos faz perder o rumo da nossa verdade. Estás completo dentro de mim. Como uma moeda. Tens as faces todas para crescer a encantar e a fazer-me sorrir e não desistir decididamente de acreditar nos génios. Parabéns pelo que me deste. Pelo que partilhaste de ti comigo. Até breve. Ao piano.


(Estes elogios têm um destinatário que se chama Rui Rodrigues. Tem apenas 17 anos e é um assunto sério no que toca a tocar piano. Aproveito este espaço para falar dele e recomendar a todos os que tiverem oportunidade de o ouvir, que não deixem de o fazer. No próximo recital informarei todos da hora e do local. Apareçam para estar perto desta estrela cadente.)

quarta-feira, novembro 23, 2005

Uma noite de Agosto.

Bem perto do sino da Igreja assinalar a hora da Cinderela, Idalina pôs a chave à porta do quarto de Hotel onde, uma vez mais, ía passar a noite.
O jantar oferecido pela Organização do evento em que ía participar no dia seguinte tinha corrido bem, ainda que a conversa a tenha aborrecido, por vezes. Talvez a viagem que fizera ao longo da tarde, debaixo do Sol tórrido de Agosto a tivesse maçado um pouco ... Talvez a conversa dos catedráticos em torno da Grécia Antiga lhe tivesse soado a nada comparativamente ao que a move: o presente, as pessoas reais. Em contraponto, o peixe grelhado que saboreou lentamente, despertara-lhe a líbido mais perversa e calorosa que a habita pelo que, e apesar de cansada, Idalina sentia-se pronta para ter um fim de noite agradável, cheia de sabores, cores e sons, vindos de outras paragens.

"porventura com sabor a Grécia, quem sabe?", pensou sorrindo para si mesma.

Pôs as mãos nos atilhos das sandálias que trazia calçadas e, num ápice, ficou com os pés a aplaudirem entusiasmados com o agradável toque fresco do chão. Riu-se para eles como quem agradece e devolve a simpatia carinhosa que têm para consigo ao permitir-lhe que os sobrecarregue diariamente com os seus indispensáveis saltos altos.
Massajou-os ao de leve para em seguida soltar o cabelo e atirar o tailler de linho rosa fúcsia que usara nesse dia para o colo da chaise longue que estava junto à janela. De dentro da sua malinha de mão tirou o CD "The 7th Song", de Steve Vai, e colocou-o no leitor da aparelhagem do quarto para ouvir até à exaustão "Touching Tongues", tema que muito aprecia daquele músico.
No quarto de banho, desmaquilhou-se e derramou generosamente a espuma de banho pelo fundo da banheira, retorcendo suavemente a torneira e deixando que a água corresse devagar até encher.

De volta ao quarto, pendurou a roupa num cabide e certificou-se de que o fato branco que escolhera para o dia a seguir tinha sido devidamente engomado como pedira na recepção à chegada. Mal podia esperar para o mostrar, e à forma ousada e elegante como lhe molda as curvas acentuadas do corpo. "Adoro estas calças. Amanhã vou arrasar!" Colar de pérolas e lingerie branca - é um fetiche que não dispensa - rematavam a toillete.
Deitou-se em cima da cama, disfrutando ainda do som extenuante de Steve. A guitarra perpassava-a, envolvia-a fazendo com que se sentisse luxuriante. Respirava-se já no ar, o aroma quente do jasmim. Idalina olhou-se ao espelho lateral e, com deleite, desnudou o resto do seu corpo de pele suave e levemente bronzeado, ainda com um levíssimo sabor a sal...

"podia adormecer agora, mas a tentação aguarda-me e sei que me arrependeria se não disfrutar até ao fim, do que preparei para mim..."

Apeteceu-lhe algo mais! Linha 9, serviço de quartos. "Cá está. Champanhe e morangos seriam uma óptima companhia. Não é original, mas sabe sempre bem. Delicioso para rematar em beleza este dia sério que tive hoje." Ligou o telefone e pediu-os.
Do outro lado da parede a água estava prestes a transbordar banheira fora, e a espuma branca, imaculada, chamava-a a entrar nela como num ninho de verdadeiro prazer! "Hummmm! Que maravilha...", balbuciou.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Compromisso.

Circunferências de plástico agarram-se-me às saias. Sacudo-as com o meu olhar sarcástico
enquanto me deambulo por entre os pendentes de cristal puro que adornam os sofás. Elásticas,
as agora esféricas, palram. Iluminam-me. Segredos ofuscam as águas pretas
das maçãs
endiabradas.
Teimam as palavras.

Exorcizo o pouco juízo que me resta e os
fantasmas que ensombraram o meu caminho. Faço figas com os dedos dos pés
e embirro com o espirro seco, agreste, amarelo das plantas de Outono.
Acordo.

Comprometo-me diante de mim mesma em ser feliz.
Assino.
Aceito.

domingo, novembro 13, 2005

Das profundezas da minh'alma.

Hoje é o dia do meu aniversário. Ficam completos 36 anos da minha vida. Da minha existência. Olho para mim e anoto no caderno da minha consciência a mulher adulta em que me tornei. Por fora, não restam dúvidas de que sou eu quem transporta a substância de um corpo redondo, bem proporcionado, voluptuoso e insinuante. Cabelos negros de origem, brilhantes e sedosos. Olhos castanhos a dar para o escuro, ainda sem pés de galinha, perfeitamente delineados. O lápis preto que os contorna, alonga-os, dando-me um ar exótico, diziam-me ontem. Talvez só ontem os tenha assumido verdadeiramente. Também ao decote de tonalidade luminosa e sabor a canela moída. Pedi emprestado a Idalina o colar de pérolas de que tanto gosta e pu-lo ao pescoço, com um nó ao meio, provocantemente situado à entrada do leito esquecido. Vesti-me de preto não por estar de luto, mas porque me dá, incontornavelmente, um ar elegante e sofisticado. Cintura bem marcada, cuidadosamente acentuada pela blusa de lycra que comprei um dia destes de propósito para seduzir. Sapatos de pele bem altos alongam-me a silhueta, tornando-a bastante indiscreta. Creio que sim. Indiscreta. Não gosto de passar despercebida. Sou vaidosa. Vejo-me uma bela mulher. Festejei com os amigos que amo o passar do relógio. Assumi que são deveras importantes para mim. Espero que o tenham sentido. Agradeço-lhes os mimos que me deram, os sorrisos que comigo partilharam, a generosidade com que me presenteiam. Creio que os conheço bem um a um, como as linhas das minhas mãos. Ontem, sinto que me quis dar a conhecer mais, a mim também. Ontem. Ontem. Ontem.

Hoje faço anos. Hoje penso em mim. Olho para dentro. Quero escrever-me. Não resisto já ao encanto das palavras. De cobertor nas pernas, descanso do frio que faz lá fora. Ouço o vento que sopra forte e reaviva as brasas vermelhas que crepitam na lareira da sala. Sinto-me espantosamente em paz na solidão que me vem habitando aos poucos, com o passar dos dias, e me devolve a mim em toda a minha plenitude e essência. Dou comigo a tentar lembrar-me de como era antes de ter nascido. Sei que caminho para o mesmo lugar e, numa parte de mim, sinto-me zangada por não me conseguir lembrar. Gosto de controlar tudo, mas ao que parece, este esquecimento é incontrolável. Vou ter que esperar para voltar a saber. Esperarei. Não tenho pressa. Acho que me tornei mais amena com o passar dos anos, ao mesmo tempo que mais espessa. Ampliei o espaço interior que me completa e me torna una. Albergo hoje, mais do que alguma vez o pude albergar, a ideia da minha morte como uma verdade possível. Sei que hoje a Morte deixou de ser apenas uma palavra para mim. É agora um espaço, uma verdadeira possibilidade. Há-de acontecer-me um dia, estou certa disso. Leio “As Intermitências da Morte” de José Saramago e sorrio com a seguinte passagem: “... pois as três fotografias que levavam no bolso não deixariam dúvidas de que a morte, se chegasse a ser encontrada, seria uma mulher ao redor dos trinta e seis anos de idade e formosa como poucas.” (pág. 136) Porventura poderão pensar, “que texto triste e pessimista para um dia de aniversário”. Eu diria que me parece ser um texto lúcido. Talvez não seja o mais agradável que já escrevi, o mais original, o mais divertido. É o meu texto de comemoração pelo dia de hoje. Comemoro nele e com ele a minha Vida. Anseio pelo dia de amanhã, e pelo seguinte, sabendo que vão ser preenchidos de conversas, de sorrisos, de descobertas, de desafios. A paixão essencial que me habita energiza-me e faz-me desejar o papel em branco no qual poderei dizer todas as palavras que me assaltarem. Sinto-me arrebatada, estupefacta, surpresa. Até amanhã.

segunda-feira, novembro 07, 2005

A Aula.

Boa tarde cavalheiros nobres e gentilíssimas damas.
Estamos aqui, uma vez mais, para dar continuidade ao nosso projecto estando reservada para hoje a discussão relativa ao assunto dos cristais.
Como se lembram, na última dinastia tínhamos dito que o paradigma opcional do revés era oblíquo. Nessa sequência, tínhamos encontrado a questão cristalina das formas e expusemos brevemente as tonalidades cromáticas de que se compunham bem como as suas estruturas disformes. Estamos pois em condições de recomeçar o nosso diálogo.

Os cristais prometem estratagemas alucinantes capazes de, em provérbios, calcorrearem os mais insuspeitos desígnios da mente. Não há dúvidas, assim espero, de que eles são determinantes na massa consistente de que é feita a Terra e o tão aclamado poder dos tibetanos em dias de luar. Nessa medida, perguntamos: como se fazem alcachofras? quando trataremos de cultivar formigas em tachos de barro? Estarão a pensar: mas estas questões são tão simples que, nem sequer percebemos porque as faz. É certo. De facto são simples demais, mas não vos queria decepcionar quando se trata de reflectir sobre as extravagâncias discretas dos sons da primavera marciana. Da mesma maneira que um sonho se não faz de azevias, nunca chegaríamos à complexidade dos cristais sem nos determos antes, nas descendências absurdas da lucidez.

Nos horários ocres da paciência, encontramos escravos de mãos vazias. Do outro lado do fundo, preguiças desmesuradas passam a pente fino as estradas da consciência. A lucidez não poderia senão estar entre elas, entre as coordenadas cristalinas do barro azul que se desprende daquela manta dourada que conhecem, não é verdade? Já vi que perceberam agora a nota que há pouco fiz ao referir-me às alcachofras. Ah, pois é!, afinal estavam no meio da encruzilhada de antes e fôra no entroncamento seguinte que se deram a encostar aos ditos cristais. Luminosos?, não. Afinados?, também não. Estonteantes. Monitores de asas antigas, desfazados do martírio e da loucura. Sim. Sim, é este o único caminho para lá chegar. Até breve. Boas reflexões.